A noite eterna já se achega a mim,
onde reino no peso
de olhos que não se fecham,
nem descansam, pois não podem.
E não podem pois são olhos,
e olhos só podem ver o que há à vista.
E com olhos assim, tão vivos,
meu sono é só a indiferença
da celeste orbe, desfalecida no perdão de Deus,
abandonada à própria escuridão
que nunca a deixará.
Nos seus três infernos, coração a dentro,
mergulho ao túmulo,
de onde sem porquê, a vida brota em metades sem face e sem nome.
E então, o que me resta?
E então, oh, Deus!
Ser imenso de corpo in-concreto,
a Vós deixo minha confissão, que é pensar a vida
no meu pecado sem choro e sem volta.
No meu mal, que é ter olhos que enxergam
e mãos que tocam abismos de águas proibidas
na velha brisa fria,
que corria menina pela tarde de ontem,
a levar consigo o sol antes vivo,
onde padeço de uma vista funda
que sabe demais, e que não me deixa esquecer o peso do mundo,
entre as dores de parir a consciência,
em que nasci e de quem sou o pai.
Por isso, oh, Mãe! O que restou de ti?
Pois se me permites,
dá-me de volta meu par de asas negras,
para que eu carregue esse corpo saturnino,
e preso as coisas da terra,
para longe do barulho dos homens,
porque só habito bem embaixo da estrela,
na toca do corvo,
acima do horizonte, e afogado na dureza do chão.
E se me perguntas pelo que sinto comigo, Mãe,
isto é ver coisas além das coisas.
É saber que os trilhos da vida
não chegam à terra do amanhã,
no amanhã em que já sozinho, no desencanto,
depois do fim de um silêncio, me pego
a desprezar a perfeição das ciências
e da sua natureza.
E sem aceitar que um dia, Mãe,
morremos nós dois,
Eu e tu.
Saio aos tapas com a vida.
Vida, em que reino, no peso de olhos
que não se fecham
e em um coração sóbrio
que não descansa.
*
Poema de Arthur Gregório Valério, em destaque, na página 17 da 21a. Revista Ponto & Vírgula - abril/maio/junho/2022.
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