MELAN-CÓLICO- Arthur Gregório Valério

 A noite eterna já se achega a mim, 
onde reino no peso 
de olhos que não se fecham, 
nem descansam, pois não podem.
E não podem pois são olhos, 
e olhos só podem ver o que há à vista. 
E com olhos assim, tão vivos, 
meu sono é só a indiferença 
da celeste orbe, desfalecida no perdão de Deus, 
abandonada à própria escuridão 
que nunca a deixará. 
Nos seus três infernos, coração a dentro, 
mergulho ao túmulo,
de onde sem porquê, a vida brota em metades sem face e sem nome.    
E então, o que me resta? 
E então, oh, Deus! 
Ser imenso de corpo in-concreto, 
a Vós deixo minha confissão, que é pensar a vida  
no meu pecado sem choro e sem volta. 
No meu mal, que é ter olhos que enxergam 
e mãos que tocam abismos de águas proibidas  
na velha brisa fria, 
que corria menina pela tarde de ontem, 
a levar consigo o sol antes vivo, 
onde padeço de uma vista funda 
que sabe demais, e que não me deixa esquecer o peso do mundo,  
entre as dores de parir a consciência,
em que nasci e de quem sou o pai.
Por isso, oh, Mãe! O que restou de ti? 
Pois se me permites, 
dá-me de volta meu par de asas negras, 
para que eu carregue esse corpo saturnino, 
e preso as coisas da terra, 
para longe do barulho dos homens,
porque só habito bem embaixo da estrela, 
na toca do corvo, 
acima do horizonte, e afogado na dureza do chão.    
E se me perguntas pelo que sinto comigo, Mãe, 
isto é ver coisas além das coisas. 
É saber que os trilhos da vida 
não chegam à terra do amanhã,   
no amanhã em que já sozinho, no desencanto, 
depois do fim de um silêncio, me pego 
a desprezar a perfeição das ciências 
e da sua natureza. 
E sem aceitar que um dia, Mãe, 
morremos nós dois,    
Eu e tu.
Saio aos tapas com a vida.
Vida, em que reino, no peso de olhos 
que não se fecham 
e em um coração sóbrio 
que não descansa.

*
Poema de Arthur Gregório Valério, em destaque, na página 17 da 21a. Revista Ponto & Vírgula - abril/maio/junho/2022.




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