Num vilarejo perdido no sertão do nordeste, Justino tem fé
que a chuva vá ajudar na plantação.
– Padre Cícero não vai deixar minha plantação de milho,
feijão e mandioca secar.
Na chácara do lado, seu compadre Geraldino apareceu.
– Bom dia, compadre Justino, tudo bem? Cheguei de
viagem, fiquei sabendo da sua perda, a comadre não aguentou o
tratamento na Capital.
– Pois é, meu amigo, já tem alguns dias isto. Esta doença não
dá trégua para ninguém, levou minha Socorro para os braços do
Pai - tentou justificar.
Todos na região sabem que, sem mulher para tocar a
chacrinha, fica mais difícil.
– Geraldino, a saudade é grande, mas vou continuar com
minha vidinha aqui, é só o que tenho. Todos os filhos estão
espalhados neste mundão de Deus.
– Eu te entendo amigo. Você lembra quando a minha
Das Dores caiu doente por uns dias? Também tive que dar
conta da casa, plantação e da criação sozinho. Os filhos
crescem e cada um toma um rumo, não querem mais saber
de ficar na roça.
– Verdade compadre, a vida é assim, cada um escolhe um
caminho. Eu não sei fazer outra coisa no mundo, por isto quero
ficar aqui até que Deus me chame.
– Mudando de prosa, eu vou até a venda do Tião comprar
umas coisas para a casa, quer fazer companhia?
Justino pegou sua camionete, bem desgastada, foram
levantando poeira no caminho até chegar no vilarejo. Na venda do
Tião tinha um pouco de tudo, e vendia fiado conforme a situação
do freguês, diziam que nunca teve problema com devedores, todo
mundo honrava a palavra,
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– Tudo bem Tião? Tem umas coisinhas para levar, mas antes
eu e o Geraldino queremos tomar uma daquelas que você tem, que
queima a garganta.
– Tudo na vontade de Deus Justino, é pra já, eu tenho uma
boa aqui, lá do alambique do Jorjão. Dizem que as cachaças dele
estão sendo vendidas na capital. Acho que agora ele vai conseguir
terminar de fazer o seu sonhado ranchão.
– Que Deus o ouça, ele merece - disse Justino. Vou precisar
de um pouco de açúcar, farinha, sal e macarrão. Veio a lembrança
da Socorro, que gostava de algum docinho de surpresa. além da
rapadura para adoçar o café.
– Pode deixar, arrumo tudo certinho aqui na sacola. Você
está sabendo que vai ter uma festinha da igreja neste sábado? Não
quero intrometer na sua vida, mas já que está viúvo, quem sabe
você encontra alguma mulher, tem a Rosinha e a Rosário que estão
separadas, mas estão com boa aparência.
– Ah é, Jorjão, já quer ver eu casado de novo? deu um
sorrisinho discreto. Bom, vou pensar, de repente, você tem razão,
uma mulher para fazer companhia neste fim de mundo ajuda a
suportar mais a vida.
Geraldino interrompeu a conversa - será que não tá muito
cedo para arrumar outra? O povo não vai ficar de conversa fiada
pro seu lado?
– E daí? Que falem, eles não pagam minhas contas. Tomou
mais um gole da cachaça
– Concordo com o Justino, disse Jorjão, este povo fala
demais. Já ia esquecendo de perguntar, tem uns turistas na
região, perguntando sobre as luzes que aparecem na Serra da
Onça, luzes coloridas que cruzam o céu. Eu, por exemplo,
não quero nem saber o que é, já tenho problemas demais
para pensar.
– Eu também não quero mexer com isto, disse Geraldino.
Outro dia fui na capital, e vi numa banca de revistas, uma delas
falando desses assuntos, eu hein, a gente nem consegue resolver
nossos problemas, e agora, se existir outros seres, imagine a
confusão de lidar com eles..
Justino pegou sua compra, pagou a conta e pegaram a estrada
de volta. O Sol já estava se pondo, logo logo, começaria a escuridão.
Geraldino cortou o silêncio
– Justino, se você quiser depois da janta, passar em casa, a
gente troca uma prosa e toma uma branquinha. A noite tá bonita,
lua cheia.
– Tá bom, pode ser - respondeu pensativo.
Depois de um banho, esquentou a sopa com carne seca de
ontem, tomou. Ainda não perdeu o hábito, um prato do outro da
mesinha ficou de novo sem uso. Uma lágrima desceu, a saudade
dela ainda vinha. Ele sabia que só o tempo daria um jeito naquilo.
Com o facão na cintura caminhou na escuridão, até a casa do
compadre Geraldino
– Boa noite compadre, chegou em hora boa, vamos sentar
aqui na varanda e tomar uns goles, a lua tá bonita, clareando toda
a região - completa Geraldino
– Obrigado compadre, é bom trocar uma prosa, estas coisas
que passa na TV, a gente não aproveita quase nada. Este silêncio da noite, faz a gente pensar, será que Deus sabe que a gente existe?
Tenho minhas dúvidas, não falo para o padre isto. Fico pensando,
com tanta coisa que anda acontecendo no mundo, e Ele não
interfere, será que tem outros mundos para cuidar?
– Compadre Justino, eu também não tenho resposta. Acho
que Deus quis assim, nos fazer com defeitos e sei lá, a gente vai
tocando a vida do jeito que dá. Dizem que a lua fica mais perto de
Deus, quem sabe a gente não pode conversar com ela e se a gente
– Pode ser, pode ser. Me dá mais um trago, vamos
continuar
apreciando o luar.
Crônica de Aldo Cesar R. Carpinetti, nas páginas 50 a 52,
da 20a. Antologia Ponto & Vírgula - Poemas, Contos e Crônicas.
Editora FUNPEC - Coordenação de Irene Coimbra.
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