Há dois dias, nós dois a caminho: outro percurso de expectativa e ansiedade, desde que passamos o último pedágio do trecho de planalto e antes de propriamente iniciarmos a descida da serra. Agora habitantes temporários de outro espaço eterno, depois de passearmos um pouco pela orla, descíamos à praia e seguíamos descalços pela faixa molhada de areia enquanto anoitecia. Tinha sido uma tarde de tempo desagradável e úmido, os barcos amarrados balançavam no limite do mar cinzento. Ondas suaves e precisas. Podiam servir de relógio. Acompanhando nossos passos iguais. Ao longo da praia, uma barra movediça guiando nossos limites. Durante o dia anterior, por causa de uma chuva rápida, mas de efeito residual, o mar parecia diluído, como se flutuasse pelo céu, sem linha de horizonte à vista, turvo e cor de oliva. As ondas se arrastavam baixas e pareciam não querer quebrar sobre si mesmas. Só perto das rochas limítrofes, um arranjo pesado fechando a praia, é que elas ainda rebentavam com força, mesmo assim com certo cansaço, deixando um rastro efervescente na volta.
Na noite anterior fomos conhecer galerias de lojas, tomamos café por ali. A Marjorie admirou uns vestidos de verão e umas sandálias. Passeamos por um trecho onde se expunham telas de artistas locais – uma e outra marinha nas quais o mar se tornava gasoso e se diluía completamente no horizonte provocaram-me um breve arrepio de solidão. Depois, a avenida da praia até seu extremo, de onde ficamos observando umas traineiras manobrando e outras coisas meio escuras de mar. Mas o cais das balsas se mostrava cinza brilhante, por causa da chuva da tarde, e o cheiro da maresia penetrava todas as brechas possíveis do amplo ambiente que nos envolvia, aquela porção de mundo que me encantava de um jeito ou de outro, entre escuridões e pontos de luz. Apertei a mão dela enquanto caminhávamos, sem dizer nada sobre o que sentia. Tudo isso faz a gente pensar que ama.
Do romance “Projeto esvanecendo-se”
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