A CIGANA CALON- Maura Ney Piemonte

 

    Sou Maura Ney Piemonte, cigana do seguimento Calons. 

    Meu povo chegou ao Brasil em 1574 e, queiram ou não, fizemos parte da construção deste país. 

    Minha família sofreu muito racismo por sermos ciganos.  Sempre ouvia minha família comentar que meus bisavós paternos, Enrico Piemonte (Italiano) e Guadalupe Piemonte (Argentina), casaram-se, vieram para o Brasil e tiveram sete filhos. Os dois foram assassinados por um fazendeiro que pegou três dessas sete crianças (duas meninas e um menino) e fez de uma das meninas, sua mulher.  As outras duas crianças, por medo, se calaram. Quando completei 18 anos, disse para meu pai: - Vou lutar pelo nosso povo! Me casei e meu marido, também cigano, era músico e trabalhava cantando. Os filhos foram nascendo e não escondíamos que éramos ciganos. Sofríamos muito preconceito e racismo, mas Deus, que nos deu uma missão para cumprir na terra, não nos desamparou. 

     Estávamos parados na cidade de Itanhaém (porque cigano não “mora” ele “para” e logo somos expulsos) e, morando no município de Itanhaém, com quatro crianças, passando necessidades, disse ao meu marido:  - Vamos para rua, trabalhar. Vamos cantar e dançar na rua e vou fazer amuletos ciganos e trocar com as pessoas. Para cada amuleto, um real. Fiz 50 amuletos em uma hora de trabalho e vendi todos! Meu filho de 6 anos tocava teclado e meu marido cantava. Eu e minha filha de quatro anos dançávamos! Foi maravilhoso! Nos intervalos eu falava sobre meu povo, sobre o racismo e a exclusão social. Para mim foi uma benção divina!  Encontrei o caminho para criar nossos filhos e viver com dignidade. Para minha alegria, todos os nossos filhos nasceram cantores! Para as meninas ensinei a nossa dança cigana e, a partir desta bênção divina, começamos a trabalhar em cidades onde havia acampamentos ciganos. Assim eu buscava ajuda para meu povo, junto aos governos municipais. Rodamos este Brasil até que chegamos a Poços de Caldas, Minas Gerais, onde havia uma lei municipal que impedia ciganos de andar pela cidade. Foi uma grande luta, mas vencemos! Derrubamos aquela lei e foi nessa cidade que criamos todos os nossos filhos. Conseguimos colocar nossos filhos na escola onde aprenderam a ler e escrever. O dom da música veio de nosso Deus! Hoje, filhos criados! Todos cantores! Vieram os netos, cantores também! Assim continuamos nossa missão na terra! Enquanto vida eu tiver vou mostrar na terra que nós, ciganos Calons, somos seres humanos e brasileiros também! 

Dia 03 de maio de 2024 

*Texto de Maura Ney Piemonte, em destaque, na página 18 da 67a. Revista Ponto & Vírgula (abril/maio/junho/2024)



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