DISFARCES- Ada Abaé

 Nos tímidos e curtos passos que ouso dar
em direção à luz, vou encontrando
casais presos a sofrimentos criados pelo medo
acreditando que assim protegem a felicidade do matrimónio.
Não necessito andar muito para presenciar isso.
São muitos os que me rodeiam.

Há um extremo cuidado em esconder o que realmente são
com a desculpa: desse modo evita-se atritos.
Se os sujeitássemos a um raio x
poderíamos ver o medo, a ansiedade, a frustração
descendo e subindo entre a garganta e o umbigo
como uma comida estragada que não sabe por onde sair.

E como tudo o que não presta, com o tempo, vai criando fungos.
Quanto maior o medo, a frustração, a ira silenciosa
maior a contaminação. E assim vai adoecendo
o espírito e o corpo.

E tudo começa nos pequenos detalhes.


*
Poema de Ada Abaé, em destaque, na página 24 da 68a. Revista Ponto & Vírgula (julho/agosto/setembro/2024)

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