JOAQUIM – Na velhice, as coisas amadas vão ficando cada vez mais distantes, perdidas no mar do esquecimento...
SIMÃO – Correto. Mas não se esqueça também de que há uma outra velhice, em que as coisas amadas e perdidas costumam voltar, ressuscitadas pela magia da saudade ...
[...]
Eis que surge ADEMILDE, salão adentro. Já entra gingando com espalhafato, cantando aos berros e jogando beijos para todo o mundo. Abraça alguns, faz caras e bocas... Sua fantasia é o cúmulo do exagero).
CARLOS – Ei, Ademilde! Chegou causando, hein?! Que furor!... [...]
JOSUÉ – Boa, Ademilde! (pegando na mão da mulher, fazendo-a rodopiar para examinar em detalhes a sua fantasia) - Gostei, garota! Que fantasia exuberante! Qual é mesmo o nome dessa fantasia?
ADEMILDE (mãos na cintura, tom sarcástico) – E não dá para perceber de cara?! Estou fantasiada de ... MULHER INVISÍVEL!... Uma homenagem a mim própria nesta triste fase da minha vida!
[...]
DIÓGENES – Pô, camarada!... E por que ela tem que viver aqui e não com você? Abandonou a coitadinha, é?
LUCAS – Diógenes, que implicância. O Carlos não abandonou a mãe dele! Claro que não! Simplesmente ele não tem como cuidar dela de outro jeito! Ela é totalmente dependente de cuidados físicos!
DIÓGENES – Cuidado físico é o de menos! E a parte emocional, como fica? Isto aqui mais parece uma prisão!... Ou um manicômio...
DIANA – Até que concordo com o Diógenes nessa parte. É muita burocracia para visitar um idoso isolado aqui. [...]
ADEMILDE – Que tragédia! Logo hoje, Dia dos Namorados! Nunca vi tanto desgosto!
DIÓGENES – E daí, mulher? Você acha que a morte escolhe dia?... Especialmente para gente como nós. Os namorados gagás que se cuidem! [...]
ALICE – Comovente o amor de ambos... Coisa que não se vê facilmente... Parece até que o amor gay é mais poderoso que o amor entre homem e mulher!...
SIMÃO – Minha cara, amor não escolhe gênero, nem idade, nem condição social. Acontece para qualquer um, a qualquer tempo, em qualquer lugar. E precisa ser sempre e muito comemorado!...
DIÓGENES (com ar de zombaria) – Até num velório, irmão? kkkkkkkkk
[...]
Eis aí um pequeno “aperitivo” de minha obra, que trata do isolamento, da solidão, da menos valia, do preconceito e muito mais em relação ao idoso em nossa sociedade...
« Eis aí um pequeno “aperitivo” de minha obra, que trata do isolamento, da solidão, da menos valia, do preconceito e muito mais em relação ao idoso em nossa sociedade...»
*
Texto de Conceição LIma, em destaque, na página 21 da 68a. Revista Ponto & Vírgula (julho/agosto/setembro/2024)
Comentários
Enviar um comentário