TRÊS MULHERES, AO LONGO DE MINHA VIDA... . Perce Polegatto

     Três mulheres, ao longo de minha vida e durante meu mundo, tornaram real minha capacidade de amar. Eu não sabia que podia amar. E hoje entendo também que só a elas eu amei, mais a ninguém nunca. De uma delas, nunca tive certeza do nome: ouvira por acaso uma palavra-ela, arriscava três ou quatro variações, na bruma. Brilhava discreta em uma livraria, confundia-se com os livros, eu a confundia com um livro, uma aventura quieta, contida em código. Olhos quase cinzentos, lábios que nunca se fechavam completamente, personagem forte, à procura de um autor.
    Outra, essa colega de trabalho: acidental, ocasional, avulsa e quase ausente, seu departamento era outro, toda a sua vida era outra, distante, tristante, quadristante de meu alcance. Sua figura especialmente singular fazia-se intensa e devastadora a cada vez que eu a encontrava entre os pátios e corredores da universidade, por sorte, por artes, por nada. Era baixa, pequena, não se destacava em nenhum ponto propriamente. Mas ela toda roubava-me o foco, trazia-me o fogo. Sorria, e eu sorria menos, cauteloso. Você, sempre linda, não é? Imagina, gentileza sua. Eu me arrepiava com sua voz, absolutamente única. Se alguma vez ela suspeitou de meu amor absurdo, foi por causa de meus olhos molhados de fascínio, sem disfarces. Queria cair ali mesmo, à sua frente: enfermo, enfraquecido, enfeitiçado... Abatido por seu domínio. A outra mulher, não sei ao certo se existe. Mas acho que existe. Porque ela conversou comigo em um sonho marcante, surpreendente, arrebatador, no qual nada, praticamente nada, aconteceu. Esse esforço para encontrá-la em meu passado é semelhante à obsessão inofensiva que motivou minha busca por um trecho musical, vivo em minha memória aguçada, mas sem identificação, até quando o reconheci no finale de um concerto para piano de Prokofiev: talvez, se mil vezes eu revisitar seu rosto falando a mim sem palavras, reencontre o momento real em que ela existiu tão próxima, fora de meu sonho. 

                                                         Da coletânea “Percurso pós-9”
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Texto de Perce Polegatto, em destaque, na página 20 da 68a. Revista Ponto & Vírgula (julho/agosto/setembro/2024)


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