A flor amarela- Ely Vieitez Lisboa

                  Não sabe bem por que veio para aqui, para esta choupana, no meio da floresta.  
                Talvez para fugir do estafante serviço do Banco, das máquinas registrando números o dia todo, dos cálculos. Não avisara de sua fuga, não trouxera roupa. Já o deixavam louco as ruas empoeiradas de Rio Branco, o povo parecendo formiga, o palácio alvo e marcial, no centro da cidade. E por que vir a este local? Dentro da cabana, um fogão a lenha, de uma só boca, o pote de água fresca, dois tamboretes, a mesa e o maço de velas. Esquecera-se dos cigarros, porém não estava preocupado. Sente algo estranho, uma força que o retém ali, diante do imenso gramado ao redor da casa, um carro de boi abandonado e depois, a mata agressiva, verde-forte, úmida, barulhenta, de rumores vários, o grande igarapé rodeado de árvores frondosas.
                De início, faz pequenas incursões na floresta e volta para a choça, aflito, à espera. De quê? A lenda não lhe sai da cabeça. Há uma mulher jovem, bela, que habita a floresta, que se banha nua nos igarapés, que enfeita o cabelo com flores. Algum dia, alguém a possuirá e ela se transformará em uma bela flor amarela, radiosa, eterna. Como acreditar em tal absurdo?    
                 Pressuroso, coração acelerado, embrenha-se cada vez mais entre as árvores emolduradas de lianas, enfeitadas de orquídeas, rodeadas de samambaias, ao pé dos troncos. Os pés descalços pisam no chão macio de folhas secas; lagartos e pequenas cobras fogem ariscos. Incríveis borboletas, escudos multicolores, enfeitam as árvores. Ele caminha, cada vez mais rápido, ramos lambendo-lhe o rosto, barulhos misturando nos ouvidos. Uma clareira. Deita-se. O coração continua pulsando forte. Quantos dias está ali? Alimentação, só as frutas que encontra.       
                É ao entardecer do sétimo dia que ele a vê pela primeira vez. Sentada à beira do igarapé, flores nos cabelos lisos, que vão até a cintura fina. A túnica de tecido fino mal lhe cobre os seios redondos e as pernas nuas. Ela canta uma melodia doce e brinca com a água. Sem entender, ele não se surpreende ao vê-la ali. O encontro estava marcado por estranhas forças mágicas, como se ela o esperasse há séculos. Ela olha e sorri. Toca-lhe as mãos. Caminham pela floresta.               Os zunidos, gritos agudos, piados rumorejam. Abraçam-se sob o jequitibá imenso, deitam-se e olham os raios de sol driblando o cerrado das folhas das árvores altíssimas. Ficam quietos, arquejantes, felizes, mãos entrelaçadas. O primeiro beijo é longo, como uma descoberta. Ele pousa a mão sobre seu corpo, descobrindo-o. Ela beija-lhe os olhos, os cabelos, cobre-o de pequeninas flores que colhe ao redor.              Quantos dias passam juntos, comendo frutas, em comunhão, bebendo água fresca, na palma das mãos, brincando como crianças edênicas, na floresta?      
                 Tomam banho nus, no verde igarapé dourado de sol. Seus braços mal a tocam, ela boiando à sua frente, seios balouçando à superfície da água pura, com flores entremeando seus cabelos esparsos... Ele a toma nos braços e vão para cabana.
                Os dois se entregam com a simplicidade das flores, com a eternidade das profecias. Após ela deita em seu peito, cobrindo-o com seus cabelos, que cheiram a jasmim, a flor silvestre. Ele está  feliz porque se encontrou; nunca sentira um gozo assim, não violento mas suave como uma melodia; um gozo do corpo e da alma. Cerra os olhos e sente-se realizado, em paz, integrado no universo, nas forças cósmicas. Ele, um Homem; ela, a Mulher.
                De manhã, ele está só. Procura-a correndo sob as árvores copadas. Ansioso, atormentado, com o desespero das causas perdidas, boca começando a amargar, lágrimas nos olhos. Vai até o igarapé, as águas tranquilas refletem o sol da manhã. Ao redor, a floresta silenciara, o verde parece menos forte. Sumira o perfume das flores. E só então ele vê, à beira do igarapé, uma flor amarela, imensa como um sol, eterna.


(Do livro Os Girassóis de Girona,  de Ely Vieitez Lisboa, 2011,

Funpec-Editora,  Segunda Edição)

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