Benê disse à menina: - Vamos ao mercado buscar ervas para o machucado de painho. Não me peça nada! O pai precisa delas pra fechar a ferida da perna e poder voltar ao trabalho. Você me entendeu?
Clara, menina de grandes olhos no rostinho expressivo, balançou a cabeça em relutante concordância e ambas saíram para a concorrida feira semanal.
Ali havia de um tudo, apelo de todos os tipos: roupas coloridas e leves feito um varal de sonhos a balançar na brisa leve; verduras, legumes e frutas de diversos formatos e cores, bem como uma banca de sandálias e botinas de couro além da de animais mortos: galinhas, preás, bezerros magros e umas tantas coisas tão esquisitas que nem era bom lembrar o que, de fato, eram.
O xodó da menina era a banca de brinquedos. E havia muitos deles ali entre os de madeiras toscas, bem artesanais, pintados de vermelhão, azul caipira e verde berrante. Seu olhar buscava o que mais adorava: a boneca de pano singela e delicada. Ah, como a amava! Para ela, a boneca tinha vida e daria tudo para poder segurá-la, senti-la contra o peito, tê-la nos braços só sua por um segundo que fosse.
Durante alguns meses, Clara a vira ali, sempre tão perto e sempre tão longe... uma vontade enorme crescendo dentro de si até que puxava a saia de mãinha num gesto de infantil esperança - coisa que não comovia Benê, pois sabia que não podia dar-lhe tal mimo.
Pegando as ervas curadoras na banca de cheirosos temperos, Benê tentava levar embora a filha ainda hipnotizada no encanto da boneca. Foi então que tudo se precipitou: uma elegante mulher e a menina bem vestida aproximaram-se dali e a criança apontando para o brinquedo recebeu-o assim que a mãe, sem pestanejar, pagou por ele indo embora a seguir.
No coração da menina Clara, a dor da primeira grande perda, da primeira desilusão, fez sua cicatriz eterna. Naqueles grandes olhos escuros, a lágrima consoladora não chegou a descer... congelou.
Olhe meu conto aqui, Irene Coimbra...como faço pra salvar com áudio?
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