Maria Aparecida de Rezende Gaiofatto (Gaiô)



Colagem de Afeto


Tão lúcido nosso amor...
Colagem de afeto,
Retalhos delicados
Impregnados de alma e calor.

Teu jeito doce de ser,
De chegar, permanecer.
Veludo é teu passo silente,
Toca minha mão, me aconchega,
Uma bicota, um sorriso,
Nada fala, só me olha, paciente.

Amo teu jeito de andar,
De sentar-se, ler jornal,
Folhear qualquer revista,
Ver TV, a mesa por,
Com café e pão quentinho,
Fruta boa, bem juntinhos,
Quase tudo adivinhar...

Amo teu jeito engraçado,
Criativo e boa prosa,
Este teu jeito ansioso,
Que na espera, sem dizer
Tudo diz exagerando,
Na questão já resolvida
Fico olhando...

Ah! este jeito de ser,
Criativo, atencioso,
Resoluto, tão gostoso...

Quando oramos de mãos dadas,
Pai Nosso, Ave Maria,
O Magnificat todo dia,
Ah! Senhor! Muito obrigada!
Pela paz aconchegada,
Em colagem de afetos,
Plenos de sensível amor,
Em cada gesto, em cada flor,
Tão celebrada...

 ***

Alma de Guardanapo


Varal encena delicada cena.
Dançam ao pé do vento,
Guardanapos vestidos de renda,
Trocam toques,
Vestígios do célere tempo...
Saudade acena...

Fiapos trançados de bocas carentes
De antigamente...Emaranhados,
Sussurram sonhos de mesas,
Partilhada doçura na troca em presenças.

Sorrisos falantes, famintos, saciados,
Alma ansiosa de integração.

Trazem ao vento carinhos de seda,
Sopram murmúrios, lamentos,
Subterrâneo de águas que falam
De paz, sossego, terno aconchego
No amarrotado linho o alento...
De doces fragmentos.

Lembram delicadezas...
Memória enxugada,
Abraça lembranças,
Enlaçam no abraço afetos,
Vela acesa, castiçais,
Um tempo
Que volta, não mais...

 ***

Um jeito de humanidade


Cada qual com seu jeito
De ser, saber, estar, semear,
Servir, ouvir, falar, tocar.
Enxergar o que sou, e nada sou,
Do pouco que penso ser,
Só eu posso do meu jeito, ser quem sou.
No sorrir, no afagar, dando colo com o olhar.
Posso orar por você, em teu lugar me postar,
Te sentir, vibrar, sem te alcançar.

Meu contato ao se irmanar,
Pode te transformar,
Ser alguém melhor que ama,
Mais suave, harmonioso, integrado ao infinito.
Tanto excesso lapidar, de essências despertar,
Pra melhor poder amar...cuidar...iluminar...
Tudo, tanto, tão bonito!
Oferto meu coração, meu toque, minha emoção,
Meu silêncio, meu poema,
Te acolho com minha canção.

Meu refúgio mora em mim,
No reino dos devaneios.
Conhecendo o que trago dentro,
Compreendo da natureza o simples,
O que intuo, sinto e anseio.
A eternidade? É logo ali
Um dia eu chego lá,
Transcendo
Do que vivo aqui...

***


Almas Avarandadas

         
 Foram muitos domingos vistos dali. Da varanda como se fosse no céu. Mesmo lugar, mesma cadeira,  mesmo olhar tentando o tempo segurar   a cada emoção. Como num filme, a panorâmica transmutava em cenários orgânicos onde a vida densa, intensa se refazia, dia a dia.
Em bênçãos, porque as procurava, as queria e as tinha, agradecendo sempre à vida por tanta dádiva e alegria.
O azul que a chamava já não era céu. O ar se transfigurava e num mergulho, ultrapassava o celeste trazendo-o aconchegado em
 profundo real, sonhando translúcido e célere movimento, mesmo quando vazio, conferindo sentido ao ausente, só preenchido no imaterial das cores: E no branco se dissolvia em cristal, ar condensado em  leveza, como água benta aspergida, iluminada chama e calor, desvelando almas.
Seus olhos reviam nuvens de quase 30 anos atrás. Eram outras, como ela, outra também o era quando ali chegara. As olhava passeando,
 sobrepondo o azul celeste que nunca fora seu preferido. Gostava do hortência ou do anil, outras mesclas e nuances, vivenciadas não sei onde, valsando ao som de ecos infinitos, que em seus olhos e ouvidos, ganhavam amplidão e o coração em extensão.
        A natureza silenciava sutil, rememorando com ela trajetos, projetos, sonhos realizados...

        E a instigava as formas delineadas...Em flocos densos de brancura e cinzas, denunciando metamorfoses como se fossem eus feitos de urgências em transformação, ambulantes, anônimos, à procura de si mesmos, para além de egos vaidosos, orgulhosos, temerosos. Simples busca de  transcendência ante a complexidade de ser.
 E a natureza ensinava,  projetando em espelhos os que se buscam em sensível identidade.
 E o fim da tarde em crepúsculo cadente, descortinava doces pingos de amor experiente, não mais  vendavais em copos d’água carregados de indeciso, inseguro  perceber. Todo um  trato delicado fora dado à vida do ser e estar...
  Dores, amores, doces ternuras, encontro e presença, passado histórico e o agora,  querendo se eternizar....
   E  voltava meditativa, para o conteúdo emoldurado que via em cenário, agora verde azulado. Um primeiro plano, plenificava o olhar em escalas multidimensionais. E o verde mudava seus tons, com a variação da luz que o incidia.
  As árvores, Aroeiras do Sul, que vira nascer em sementes, ( uma história tão bonita!) se foram em perdas dolorosas ao seu ser.                                               
 Quanto as amara em boas conversas e abraços dialogados.(Quando partilhava com os seus alunos tal experiência, a olhava  suspeitando de alguma doidura da professora).  Emudeceram (as árvores), como muitos dos seus sonhos realizados na arte de viver, construídos na melhor forma de realização:um homem, uma mulher que um dia se encontraram e viveram “felizes para sempre”  ( não sem dores, claro!). (Houve quem dissesse ser pura sorte tal encontro, esquecendo a gama louca de tanto investimento-não coisa pouca).
 Agora, aos 63, já achava que podia confirmar o “para sempre”.O Amor a  impregnara até a alma, como esta que estava ali, na varanda, ensimesmada de paciência e sintonia, (Tudo valera a pena) reciclando de cuidados, todos os dias.Como a matéria orgânica que agora via e  interagindo com o tempo à volta, a tudo assistia em presença e energia (muita trabalheira).
 Nova moldura, novo olhar, novo ver, novo verde em simetria desconstruída, renovava a construção de  sonhos por vir a realizar.
 E se preparava em despedidas, em mudanças. Agradecida, cada espaço nesta casa tinha seu laço, sua marca, sua arte, seu abraço.Recomeço em outra casa, agora, sem apegos.Não mais os queria.Sem projeções.A cada dia seu intenso, pleno.
Nova história, sempre juntos. Indo em frente, novas fases, nova vida em madurado amor de tranquilo carinho emoldurado  em nova descoberta. E teria tempo, queria crer.
E consumida da mais terna poesia imersa no verde- azul, da velha e mágica varanda se despediu, no reencontro de si mesma.

 Em novo espaço- tempo, sonho e realidade, fim de tarde, transportando asas-almas enquanto desse.




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