Etéreo- Aline Olic



Ajeitou-se na cadeira. Ainda não estava confortável. Com a caneta entre os dedos da mão esquerda, bateu três vezes seguidas, na mesa, com batidas suaves.
O papel estava em branco desde aquela manhã. Os pen-samentos se uniam às palavras e se misturavam em cores, iam e vinham. Confusão. Perdeu-se em pensamentos enquanto lia a tatuagem em seu pulso. Levantou-se da cadeira e foi até a janela aberta. Era primavera. Da janela aberta sentia-se uma suave brisa da primavera que chegara há poucos dias.
Por alguns minutos, parado em frente à janela, admira-va a pequena colina que avistava dali. 
Voltou para a mesa, sentou-se à cadeira, dessa vez con-fortavelmente e olhou para a folha em branco.
Normalmente não usaria uma caneta e papel para se comunicar. Uma simples mensagem de texto seria a sua escolha. Mas esse momento era especial. A última carta que ele escrevera fora aos 10 anos, para sua avó que morava em outra cidade. 15 anos depois, estava em frente a um pedaço de papel, em branco. Pensamentos e frases que pareciam se desprender e desaparecer.
Poderia enviar um email. Seria mais fácil. A digitação correria muito mais rápido do que sua escrita, à mão. 
Mas era a primeira vez que sentia isso, a vontade de escrever uma carta. Sentia que seu coração explodiria de amor! E numa mistura de felicidade e medo começou a escre-ver. Contou histórias de quando criança, compartilhou medos e falou sobre planos para o futuro. Era a primeira vez que com-partilhara isso com alguém. 
Leu e releu a carta.
Delicadamente a colocou em um envelope onde, em cima, lia-se “Para minha alma gêmea”
Levantou-se da cadeira, pegou as chaves do carro, olhou para a colina e saiu.
Enquanto dirigia, sentia suas mãos suarem. Sentia seu peito apertado, quase faltava ar. O coração batia forte.
Parou seu carro, andou alguns metros e começou à es-calada. 
Por 2 horas, chegou ao cume da pequena colina. 
Sentou-se em um das pedras, cansado, tirou a carta de sua mochila. Estava só. Esperava como se alguém estivesse preste a chegar. Tentou começar a ler a carta. Um nó na gar-ganta se formava. Era difícil pronunciar as palavras sem que sua voz se quebrasse em um pranto. 
“Oi Didi, me ajuda, tá? Achei que uma carta seria a maneira mais fácil de me comunicar com você. Não sei como é conexão de internet aí desse lado. Sei que desde a sua partida não tenho falado com você, mas é que falar sem ver você sentada ali, perto de mim, me faz lembrar que você já partiu para a sua próxima jornada em outra dimensão - como você mesma diz! E eu imagino que essa dimensão deva ser cheia de cores, como sua estação preferida do ano. Nesse dia, há 15 anos, escrevi a minha última carta. Contei que havia conhecido minha melhor amiga e que era o aniversário dela. A menina nova na classe que me defendeu do brigão, sem me conhecer, a mais engraçada que eu já conhecera. Anos depois ela seria a causadora de inúmeras gargalhadas e a causa dos ciúmes de algumas namoradas. Ninguém entendia a nossa amizade. Ninguém entendia o porquê nunca fomos namorados. Nós sabíamos que nossa amizade era única. “Etérea”, como você me ensinou no dia em que resolvemos fazer nossa tatuagem juntos. 
Há 15 anos eu te conheci, e você mudou a minha vida, eu mudei a sua vida, nós mudamos e continuamos os mesmos. Enquanto meu braço mais forte era o esquerdo, você sempre foi o direito.
Que hoje, no seu aniversário, você esteja dando uma festa aí, como as que você comemorava aqui. Encarei meu pânico de altura pra poder vir ler essa carta, no seu lugar preferido, que como você diria “fica mais pertinho do céu!” Logo, estou mais perto de você. Te vejo daqui há pouco, aproveite essa nova dimensão e jornada. Sinto sua falta todos os dias, minha irmã de alma. Que seja eterno, que seja etéreo.

12a. Antologia Ponto & Vírgula - Página 86 














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