Mexendo no Baú- Jugurta de Carvalho Lisboa



    Hoje estou colocando para fora do meu baú, um causo ocorrido no final da década de cinquenta, portanto, há mais de meio século. Tudo começou com uma das pescarias que fazíamos com frequência, às margens de uma represa, cujo local fica na fazenda do amigo de um dos companheiros de pescaria. 
O grupo era composto de oito amigos inseparáveis. A condução era um caminhão, tendo na carroceria, dois grandes bancos nas laterais e uma cobertura de lona impermeável. 
    No dia e hora marcados, lá estávamos todos a postos para mais uma aventura. O horário de saída era sempre o mesmo: cinco horas da manhã. Duas horas depois, já estávamos descarregando as tralhas, inclusive fogão a gás e os mantimentos para as refeições.
    O cozinheiro era fixo. O cardápio pouco variava. Daquelas panelas saíam uma comidinha simples, mas saborosa. Até hoje me lembro do sabor do arroz com repolho que o Turco fazia. Um detalhe pitoresco que ficou bem marcado eram as formigas cabeçudas que se misturavam com o arroz, porque a panela ficava no chão, mas isto não comprometia o prazer de estarmos todos sentados naquela grama macia, de prato na mão e saboreando, além de outras misturas, arroz com algumas formigas que passavam por despercebidas. Ninguém usava bebida alcoólica. 
    A pescaria, sempre muito farta. Os espécimes eram constituídos de curimatãs, piaus, piaparas, trairões e, esporadicamente, algum dourado. À tarde, juntava-se todo o produto da pesca sobre a grama, formávamos um círculo e cada um ia escolhendo o seu peixe até o final. Os primeiros tinham o privilégio de escolher os peixes maiores. Vez por outra alguém reclamava que aquele peixe escolhido pelo companheiro lhe pertencia, porque tinha sido ele que o fisgou. Mas tudo acabava em brin-cadeira, pois eram todos grandes amigos.
    Hora de voltar. A penumbra já dava sinal que a noite estava prestes a chegar. Recolhida toda a parafernália e colocada no caminhão, iniciávamos a volta.
Em determinado trecho da estrada, passando por uma enorme plantação de milho, o motorista parou o caminhão. Como ele era uma pessoa muito brincalhona, falou que conhecia o proprietário daquele milharal e que teria dito ao fanfarrão, que quando passasse por ali poderia levar quanto milho desejasse. Foi o bastante para que todos descessem da carroceria, cada um munido de um saco, passou pela cerca de arame farpado e só se ouvia o barulho das espigas sendo arrancadas.
    Finda a colheita delituosa, verificaram, pelos faróis, que um automóvel se aproximava lentamente. O mentor do delito, pensando tratar-se do proprietário do milharal, não titubeou. Foi até a beira da estrada, desceu as calças, agachou-se e fingiu estar fazendo suas necessidades fisiológicas. O motorista, deparando com aquela cena inusitada, afundou o pé no acelerador, saindo o mais rápido possível daquele local, evitando assim, que sua esposa, que o acompanhava, ficasse exposta àquela situação ridícula e constrangedora. 
    Só sei dizer que, da invasão naquele milharal, saiu muita, mas muita pamonha e como diz o mineiro, pamonha para ser boa tem que ser de milho roubado. 



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