Tio João- Idemar de Souza



(Parte do capítulo 23, da obra Trechos duma Vida

E seria necessário para atar, de fato, Miguel àquela relação com eles, de estranho afeto, sem razões plausíveis de existirem, que interviesse “ad cautelam”, um curador especial de menores, nomeado por força de sentença judicial irrecorrível, com trânsito em julgado e que tivesse, o dito curador, o mesmo estofo e a mesma imensidão deles, a dar plenas garantias ao menino, naquela relação desigual e ímpar, de amorosa fantasia. 
A despeito desta ligação embaraçosa, Miguel mantinha convic-ta a percepção de que eles eram mesmo, magníficos, embora do ponto de vista humano, a considerarem-se razões bem so-pesadas, não houvesse nenhuma possibilidade de comunhão entre eles; sequer imaginar a possibilidade de um abraço. Nem pensar. Morreria queimado, num átimo!
Havia uma certeza em Miguel de que eles eram docilmente impressivos, embora um pouco ensimesmados, soberbos e, ao mesmo tempo, manifestamente descomprometidos com as coisas alheias a se mostrarem perigosos. E como apenas o en-simesmamento e a soberba, a lhes enodoar, de certa forma, o jeito de se haverem não bastasse, eles ainda se mantinham insones e constantemente febris, maleitosos, a expirarem ofe-gantes, como fazem a meter medo, os demônios, fumaças quentes, vaporosas. Além do que, eles eram surdos, pois que não tinham orelhas, nem ouvidos; cegos, se não fossem os seus faróis enormes, luminosos; sem nenhum caráter e mudos, se não fossem os seus apitares maviosos. 
Em verdade, eles não careciam destas habilidades sensoriais para o exercício de suas atividades cotidianas de levar e de trazer coisas e pessoas, pois que os trilhos que os guiavam a destinos vários, há muito já haviam sido engenhados. E, adejá-los ou galopar sobre eles, qualquer que seja a escolha da construção a ser feita pelos minguados leitores, resultará na mesma decorrência........ (Continua...)


12a. Antologia Ponto & Vírgula - Pág. 100








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