Falar de Amor- Ariadne de Andrade Costa


Aqueles que já fizeram sua primeira viagem internacional sabem que a gente passa por cada trapalhada... Ano passado viajei sozinha para Roma sem saber uma palavra de italiano para fazer um curso. Ao menos inglês eu sabia. Como o professor que daria o curso era inglês, supus que o curso eu compreenderia e que conseguiria me virar razoavelmente bem pela cidade também. Eu estava certa... Em partes.
Após o final do evento, fiquei uns dias a mais na cidade para passear. No segundo dia de passeio, planejei uma ida ao Coliseu e à igreja de San Giovanni, tida como “mãe de todas as igrejas de Roma e do mundo”, mais importante inclusive que o Vaticano. Graças ao “Santo Google”, vi que a igreja ficava no caminho da grande arena. Fui até o ponto estipulado e peguei o ônibus seguindo orientações do Google. De repente, o ônibus parou, o motorista falou alguma coisa (que não entendi nada) e as meninas que estavam no ônibus desceram. Eu desci também, mas fiquei sem entender nada. Lá, em cada parada de ônibus existe uma placa mostrando o número das linhas que passam por ali e o itinerário de algumas delas. Fiquei estudando o itinerário do meu ônibus e compreendi que ali era o ponto final dele. Mas como eu faria para chegar ao meu destino então? Será que eu precisava esperar do outro lado da rua para pegar o outro sentido? Na dúvida, resolvi esperar mais um pouco por lá mesmo para ver se ônibus passava. Eu podia até pedir ajuda para alguém, mas eles têm uma má vontade extrema de ajudar alguém que não fala italiano e dizem que não sabem inglês (eu já havia aprendido isso nos dias que estava lá).
Durante a espera, me apareceu um senhorzinho perguntando uma informação sobre itinerário de ônibus. Eu pedi desculpa e disse que não parlava italiano (a essa altura eu estava arriscando umas palavrinhas em italiano). Ele assentiu com a cabeça e virou para o outro lado. Então voltou a mim e perguntou para onde eu queria ir. Respondi sobre os dois locais que desejava visitar.
– San Giovanni!  – exclamou ele entusiasmado.
Então pensou um pouco e me chamou para o outro lado da rua, falando que era lá que eu devia pegar o ônibus. Eu agradeci em tom de despedida, esperando que ele fosse voltar para o outro lado da rua após ter me ajudado. Contudo, ele disse que iria para o bairro de San Giovanni também, mas ao dentista. E ficou reclamando que o ônibus estava demorando e desse jeito ele iria chegar atrasado ao compromisso. Ele estava muito impaciente com o horário, até que o ônibus chegou (na verdade nem demorou tanto para chegar depois que fomos para o ponto certo). Ao subir no ônibus, fiquei na dúvida se esperava para sentar com ele, que me ajudou. Mas achei melhor sentar sozinha; assim, sentei em uma cadeira sozinha. Ele passou por mim e voltou para me chamar para sentar com ele. Sendo assim, eu fui. 
A partir daí, iniciamos uma conversa com alguma dificuldade por causa dos idiomas de cada um. Passamos em frente ao bosque e ele me apontou o lugar. Como meu hotel ficava próximo dali, eu já vinha pensando em visitar o bosque. Perguntei ao senhorzinho se o local abria aos domingos. Ele me respondeu que sim, mas parece que o horário de funcionamento era reduzido e me contou mais sobre o bosque.
Daí me perguntou sobre meu papa e minha mama, se estavam comigo. Contei que estava sozinha, que tinha ido fazer um curso. Ele quis saber se o curso era da faculdade. Expliquei mais ou menos (até porque a dificuldade com o idioma não permitia falar muito). Além disso, sou tímida. Especialmente em uma situação dessas... Respondia as perguntas dele, o que gerava poucas frases de ambos os lados, então o silêncio prevalecia. Ficava quieta, sem ter o que falar, até que ele perguntasse outra coisa.
Ele me perguntou de que país eu era. Respondi e ele achou legal. Depois silêncio... Passado um pouco, me perguntou minha idade. Não acreditou quando disse 27 anos, ficou falando que eu era mais nova. Depois me perguntou alguma coisa sobre namorado no Brasil. Não entendi a pergunta direito, mas achei que queria saber se tenho namorado. Respondi que sim... mais ou menos... (já que meu namorado e eu estávamos sempre brigando, inclusive na época da viagem). Ele falou alguma palavra incompreensível e deu risada, eu falei “eh” e dei risada. A mulher na cadeira do outro lado virou e olhou de supetão, aparentemente surpresa com o que falei. Fiquei meio “encafifada” pensando o que ele tinha, de fato, me perguntado, e, consequentemente, o que eu tinha de fato respondido. Fiquei achando engraçada a situação e pensando “pessoas de mais idade gostam de puxar conversa”, e fiquei pensando no meu pai, que gosta de conversar (e tinha 78 anos na época). Meu pai deve ser um pouco apenas mais velho que ele, pensei.
O senhor foi como um guia turístico me mostrando tudo. Apontando os pontos turísticos, as faculdades (enormes, por sinal). Então me falou de seu filho. Disse que é engenheiro; assim como meu irmão, lhe contei. Ele resolveu me mostrar uma foto do filho. 
Tirou do bolso a carteira e ficou procurando a foto. Nisso, passou por uma foto de mulher e me mostrou. Disse que era a esposa dele. Eu elogiei, disse que era muito bonita. Ele disse que ela era farta. Eu pensei: “que raio é isso de farta?? Ah... deve ser algo tipo forte, bonita, robusta”. Então só acenei com a cabeça. Foi aí que achou a foto do filho. Mostrou todo orgulhoso e repetiu a profissão do rapaz. Porém, não pude dizer que era bonito também... Deu a impressão que ele queria que eu conhecesse o moço.
Quando passamos em frente à igreja de San Giovanni ele me mostrou e disse que era lá que eu teria que descer depois (eu tinha decidido ir ao Coliseu primeiro e passar na igreja na volta). Achei que ele estava me preparando, pois já estava no lugar de ele descer para ir ao dentista. Entretanto, ele não desceu. E assim continuou me contando sobre a cidade.
Em dado momento eu disse que iria tirar uma foto com ele, que estava sendo tão simpático (achei-o muito bonzinho, havia sido o único assim comigo naquela cidade até então). Perguntei se ele não se incomodava. Ele falou alguma coisa sobre Coliseu, que não entendi direito; algo sobre deixar para tirar no (ou do) Coliseu. De todo modo, bati a foto da gente no ônibus. 
Mais para frente perguntei se ele não ia ao dentista em San Giovanni. Ele me respondeu que sim, mas que ia primeiro me acompanhar até o Coliseu. Fiquei surpresa, pois ele estava com uma pressa tão grande de chegar ao dentista. Bom... Continuamos falando do trânsito muito intenso, da cidade, dos lugares (tudo de modo muito truncado: um par de frases aqui, outro par acolá). 
Ao chegar ao Coliseu descemos. Ele me perguntou se eu preferia jantar em um restaurante ou na casa dele. Fiquei sem graça... e perguntei:
– Ah, com sua família, sua esposa, seu filho? Para eu conhecê-los?
– Minha esposa é farta – ele respondeu.
Nossa... Só aí entendi o que era o tal do farta. A esposa é farta, é morta! 
E ele continuou:
– Então? Onde prefere?
Totalmente sem graça, respondi:
– No restaurante.
Ele falou que tudo bem e concluiu:
– Então está combinado. Você vai ao Coliseu, vê tudo com calma, depois vai à igreja de San Giovanni e volta aqui.  Encontro você aqui às 15h. Eu vou ao dentista, depois pego a maquina (o carro) e venho te pegar. A gente vai ao restaurante e depois... vamos falar de amor.
O quê????????? Fiquei CHOCADA, sem ação!!!
Só sei que partir daí meu passeio não foi mais tranquilo. Amei o Coliseu mais que tudo naquele país, mas não pude ficar calma durante o passeio, com medo de que o senhorzinho aparecesse a qualquer momento. Andei bastante, tirei foto com “gladiadores”, conheci o Foro Romano, que fica ao lado do Coliseu, fui à igreja de San Giovanni, que é belíssima. Mas tudo com medo. E correndo contra o tempo. 
O senhor idoso bonzinho, a única pessoa gentil na cidade, não era tão bonzinho assim. Foi muito estarrecedora a situação para mim; para não dizer traumática... Daquele dia em diante, falar de amor é algo que me dá arrepios só de pensar!!!





Comentários

  1. É isso que dá ser mulher bonita e simpática: os homens se apaixonam.

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  2. Na realidade é um acontecimento que pode ocorrer, em qualquer parte do mundo, sobretudo se a jovem for bonita. É necessário muito cuidado. O relato é descrito de modo interessante, cativante. Parabéns Ariadne . E, Paulo, agradecemos a sua visita e comentários. Gratidão!

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