A Esquina do Pecado- Augusto Aguiar



                Qual a definição de esquina?
                Segundo o Urbanismo, é o lugar em que duas ruas se cruzam.    E a Esquina do Pecado, o que é?  Ela vai além das conceituações tradicionais. Trata-se de uma esquina mais sociológica que existe em Bebedouro, estado de São Paulo, nas imediações da Igreja Matriz.
                Ela é pluralíssima: musa da convivência pública, tribuna das miudezas e grandezas da vida, boateira, sussurrante, investigativa, fecunda ao elencar fatos passados, presentes e projetar os do futuro. Um balcão de ideias, palco de embates, pactos e rupturas. Enfim, um condomínio sem guarita cuja síndica chama-se “Conversa”.
                No dia do óbito, os “falecidos” passam por lá e, logo cedo, muitas pessoas começam a vê-los. Como? Lendo as tabuletas fixadas pelas funerárias nas paredes externas dos Cafés.
                Certa ocasião, em trânsito pelo local, esbarro no agente funerário.         “No seu falecimento, vou inovar. O anúncio será em placas digitais”. – diz. E dá gargalhadas. Assustado, exclamo em italiano, língua da ascendência dele: - Mio “Angelo” custode! Tradução: meu Anjo da Guarda! Em seguida, olho para a torre da Matriz, faço o sinal da cruz e dou no pé.
                Por lá, como se vê, acontece cada coisa. Nos anos sessentas, a existência da Esquina do Pecado chega ao Vaticano. Apesar disso, por aqui, há anos os religiosos se mobilizam e adotam ações preventivas. O Altar-Mor e o do Sacrário da Matriz são idealizados em sentido oposto à famosa esquina; assim, as imagens ficam de costas para ela. Na praça, a estátua do Monsenhor Aristides está numa posição em que o olhar não se dirige para a “nossa personagem”; a do cônego Pedro Paulo Scannavino segue o mesmo ritual. A do padre Anchieta, muito antes, provoca um blá-blá-blá lascado. Projetada para a mesma praça, alguém sugere que fique com as costas voltadas para a “Esquina”. Assim mesmo, Anchieta recusa: - Não fico, não fico, de jeito nenhum. Opta pela Praça Valêncio de Barros, conhecida   como Jardim Misterioso, em frente à prefeitura. Prefere os mistérios do Jardim  Misterioso ao barulho social da Esquina do Pecado.
                Ciente da Esquina, o Concílio Vaticano II, iniciado no pontificado de João XXIII e concluído no de Paulo VI,  muda a missa.           Os sacerdotes passam a celebrá-la de frente para os fiéis. No caso de Bebedouro, de costas para a Esquina do Pecado. Dessa forma, fica sacramentado: a Esquina do Pecado é um Altar Pagão. 


                Registrada na Agência Brasileira do ISBN (International Standard Book Number) Ministério da Cultura - Fundação Biblioteca Nacional, sob número 978-85-63853-54-7. 


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