Agora, eu e o sósia. Estranho.
Nem ele me é, não há semelhança, nem analogia. Quem
é o estranho que me fita? Vai ver que é potente, ganha
todas as mulheres, tem ereção quando quer, nunca vacila.
Eu sou o fraco, o gauche, homúnculo de corpo
chupado, Adônis às avessas, sem músculos, carne bamba.
Que mulher poderá me achar debaixo dessa pobre
carcaça? Sempre foi assim. Mariazinha gostou de meu
primo, a doce Sônia escolheu meu irmão, Zélia ignorou-me
sempre. Pior foi a Dayse. Quando percebeu que ela
me encantava, sorriu com ironia. A boca não disse, mas
os olhos! Puro desprezo. Vermes amam? Podem desejar
uma mulher?! Fiquei impotente meses, desde quando
aquele olhar me secou, feriu.
Quando percebi a presença de Ciça? Franzina, menina
quase mulher, sem peito, bundinha sumida nas
saias rodadas. Levei um susto quando vi que seus olhos
eram grandes e profundos. Nem reparara em sua boca.
Pareciam-me lábios comuns, inexpressivos. Deviam ser
frios. Quem ousaria beijá-los? Mãos pequenas e magras.
Sempre úmidas.
Eu e minha cruz. Não sei o que mais odiava. Deus
ou a genética. Devia ser proibido um homem pequeno,
magro, pálido, com um pinto ridículo. Por isso sempre
fui inseguro, andando na corda bamba do devo, não
devo. Adoro as mulheres, seu cheiro bom, tenho sempre
pensamentos meio safados perto delas. Faço com todas
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tudo que nunca consegui com nenhuma. Cavalgo-as
nos sonhos, estupro-as com furor, inundo-as de carinho,
cubro-as de beijos.
Que aconteceu? Milagre? Ciça veio me dar um recado
e esboçou um sorriso, corando. Eu estava louco, ou
havia beleza nos seus dentinhos miúdos, no narizinho
quase nada, arrebitado na ponta? O coração estremeceu
surpreso. Eu conhecia aquela mulher? A doce desconhecida
era Ciça, tão insossa, tão transparente, nada?
Ao me passar o dinheiro que o Neco da venda mandara,
pagando os bicos que eu fizera no armazém, os dedos
de Ciça roçaram minha mão. Eram finos, delicados, macios.
Uma corrente elétrica fluiu por todo meu corpo e a
encarei. Ela levantou os olhos vagarosamente, fitou-me.
Sorriu. Anjo sorri? Como descrever o rostinho à minha
frente? Eva menina. Meus olhos logo descobriram seus
seios pequenos que se salientavam sob o algodão do vestido
florido. Cintura fina. Pés minúsculos. Por alguns segundos
ficamos descobrindo-nos. Ela me olhou de frente
pela primeira vez. Fez um trejeito brejeiro com a boca e
virou as costas, andando mansamente, como se flutuasse.
Meu Deus! Terra e céu se misturaram. Sentimentos,
desejos, encantamento, tudo centralizado na minha
pequena Ciça. Ela me descobriu como homem. Olhar
de quem observa o que quer. Meu sangue ferveu diante
daquele meio sorriso de aprovação. O que viu em mim?!
Dali para a frente, a vida ganhou sentido. Media as horas,
os dias, até ver novamente a minha menina linda.
O tempo escorria com a lerdeza das lesmas. Mas algo
mudara. Olhei-me no espelho. Eu e o estranho. Agora
ele me pareceu mais homem, mais másculo. A pouca
barba ruiva dava-lhe até um ar diferente. Dentes bons.
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Olhos, uma desgraça. Miúdos e inexpressivos. Ausência
de barriga. À noite, a surpresa. Ereção, vontade de ter
Ciça comigo naquela cama.
O que se seguiu é impossível de relatar. Olhares,
sorrisos, mãos entrelaçadas, almas e corpos conhecendo-se,
perfume de cabelos castanhos, maciez de pele
alva, doçura de beijos. A primeira vez que se deitou
com Ciça, ela era a mais bela das mulheres, fazia dele
um homem decidido. Ciça olhava-o embevecida como
mulher realizada que encontrou o seu lugar, seu destino
de fêmea. A solidão esfumou-se, a felicidade se fez
ata. Os dois se amavam.
(*) Ely Vieitez Lisboa.
E-mail: elyvieitez@uol.com.br
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