Sombra do medo- Láius Antonazzi



    Era o fim de uma tarde medrosa de inverno. Camélia se refugiara na igreja onde acontecia uma missa de sétimo dia. Respirou fundo.
    Seus olhos tinham cores embaçadas e lágrimas secas. Seu caminhar tinha passos marcados pelo ritmo da fuga. Escondeu-se atrás da estátua de “Santa Genoveva”, queria olhar para os fiéis sem ser notada. Havia rostos tristes, mas notou o sorriso alegre de uma vingança no semblante de sua cunhada quando o padre pronunciou em voz alta, o nome do seu marido na lista de mortos.
    Neste momento percebeu um vulto vindo em sua direção. Não podia ser descoberta, nem revelar sua real condição perante tudo aquilo, então, armou o capuz preto sobre a cabeça e buscou outro local para se esconder. Mas o vulto continuou a se movimentar de forma sombria. Tinha na veste o mesmo tom noturno da incerteza.
    O coração de Camélia acelerou e deixou em suas veias um sangue de duas cores: o vermelho e o negro. No ar, o cheiro de “Dama da Noite” em suas lembranças. 
    Estava no centro do altar, fez o sinal da cruz, deu as costas para ela e andou rumo ao corredor central. Caminhava como num cortejo de dúvidas. Viu um menino com cabelos de calopsita e olhar órfão – Ele se parece com o meu filho... Chegou perto da porta, virou-se torta e fez outro sinal. – Acho que ninguém me viu... Parecia estar só em seu mundo. Foi quando o menino de antes olhou para trás, fez o gesto de embarque no cais e naufragou no semblante do adeus. Sem entender, Camélia saiu e notou que alguém a seguia. Desceu a escadaria sem olhar para o passado. Uma voz gritou o seu nome. Ela cruzou um jardim em frente à matriz. Parou ofegante num tronco de Cipreste. Novo grito surdo rompeu o ar gelado e a fez correr entre outras árvores até a beira de um rio. – isso não pode estar ocorrendo!
    Entrou num barco escuro com o nome “Caronte” cravado em ouro na proa. Remou até a outra margem e sentiu o alívio doce do perdão.
    Caminhou até uma lápide comunitária e leu a epígrafe gravada na cor amarga de uma saudade: “Aqui jazem os moradores do Vilarejo de Santela, cuja única sobrevivente da enchente, Camélia Santos, saúda com alegria viva”.
                      


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