Era o fim de uma tarde medrosa de inverno. Camélia se
refugiara na igreja onde acontecia uma missa de sétimo dia. Respirou fundo.
Seus olhos tinham cores embaçadas e lágrimas secas. Seu
caminhar tinha passos marcados pelo ritmo da fuga. Escondeu-se atrás da estátua
de “Santa Genoveva”, queria olhar para os fiéis sem ser notada. Havia rostos
tristes, mas notou o sorriso alegre de uma vingança no semblante de sua cunhada
quando o padre pronunciou em voz alta, o nome do seu marido na lista de mortos.
Neste momento percebeu um vulto vindo em sua direção. Não
podia ser descoberta, nem revelar sua real condição perante tudo aquilo, então,
armou o capuz preto sobre a cabeça e buscou outro local para se esconder. Mas o
vulto continuou a se movimentar de forma sombria. Tinha na veste o mesmo tom
noturno da incerteza.
O coração de
Camélia acelerou e deixou em suas veias um sangue de duas cores: o vermelho e o
negro. No ar, o cheiro de “Dama da Noite” em suas lembranças.
Estava no centro
do altar, fez o sinal da cruz, deu as costas para ela e andou rumo ao corredor
central. Caminhava como num cortejo de dúvidas. Viu um menino com cabelos de
calopsita e olhar órfão – Ele se parece com o meu filho... Chegou perto da
porta, virou-se torta e fez outro sinal. – Acho que ninguém me viu... Parecia
estar só em seu mundo. Foi quando o menino de antes olhou para trás, fez o
gesto de embarque no cais e naufragou no semblante do adeus. Sem entender,
Camélia saiu e notou que alguém a seguia. Desceu a escadaria sem olhar para o
passado. Uma voz gritou o seu nome. Ela cruzou um jardim em frente à matriz.
Parou ofegante num tronco de Cipreste. Novo grito surdo rompeu o ar gelado e a
fez correr entre outras árvores até a beira de um rio. – isso não pode estar
ocorrendo!
Entrou num barco
escuro com o nome “Caronte” cravado em ouro na proa. Remou até a outra margem e
sentiu o alívio doce do perdão.
Caminhou até uma
lápide comunitária e leu a epígrafe gravada na cor amarga de uma saudade: “Aqui
jazem os moradores do Vilarejo de Santela, cuja única sobrevivente da enchente,
Camélia Santos, saúda com alegria viva”.
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