LEI- Dante Marcucci Neto

                                                                                                                                                                                                                                                                          

Tudo o que acontece no mundo, ou mesmo o que deveria acontecer, é regido por leis. Sejam as leis da física, da natureza, do mercado, da Igreja ou dos homens, elas, as leis, estão ali para governar.
Qualquer lei pode ser contestada e algumas desobedecidas porém, na maior parte dos casos, a lei prevalece.
O peso das leis é tão sério que o desconhecimento das mesmas não exime ninguém da responsabilidade. Ninguém se salva com a desculpa do Eu não sabia...(quase ninguém, diriam os céticos brasileiros).
As leis nasceram junto com as civilizações e são uma característica dos povos civilizados. A primeira, veio de Deus: “Não comerás o fruto prohibido” (naquele tempo se escrevia com AGÀ)
De lá pra cá, fez-se lei prá tudo. Desde o Código de Hamurabi há mais de 3700 anos até a lei de Murphy, que rege o comportamento das “coisas” que acontecem com a gente.
Fizeram leis das mais esdrúxulas, para definir quem podia comer amendoim na Igreja nos domingos, até as mais justas prá abolir a escravatura, prá proteger as crianças e adolescentes e para organizar as exportações brasileiras, que eram uma zona.
Só que, para haver lei, alguém tem que ser mais forte que o outro. Manda quem pode e obedece quem tem juízo!
Mais forte quer dizer: ter a capacidade de aplicar a sanção (o da Dalila é com ESSE), a pena pelo descumprimento da lei. Se não houver sanção, não é lei!
Assim, para cada lei cria-se logo uma punição: mata, vai prá cadeia, rouba, vai preso (se não for deputado ou senador), faz bagunça, paga multa, e assim por diante.
Lá perto de Valadares, no leste de Minas, tem uma cidadezinha, no meio de um buraco, com uns três mil habitantes, onde o fato aconteceu. Antigamente, chamava-se Bananal de Virgolândia e, de uns tempos prá cá, foi batizada de Nacip Raydan, porque ninguém tinha coragem de falar aquele nome esquisito.
Foi exatamente naquele lugar pitoresco que foi criada a LEI, pelos Vereadores da Câmara Municipal, sancionada pelo Prefeito, numa cerimônia com banda de música e farta distribuição de mariolas para toda a população.
Promulgaram a lei e como não tinha imprensa, nem oficial nem marrom, pregaram cópias na parede da Prefeitura, na entrada da igreja e no poste em frente ao Bar do Mércio, o único do lugar. Era lá que se reunia o povo depois do serviço e nos fins de semana, prá botar a conversa em dia.

LEI MUNICIPAL NR. ##
O povo de Nacip Raydan, por seus representantes na Câmara Municipal, aprova e eu, Prefeito Municipal, em seu nome, sanciono a seguinte lei:
Artigo 1º. A partir desta data, fica proibido manter relações de caráter sexual com qualquer funcionário(a) dos Correios e Telégrafos deste Município.
Artigo 2º. Pena de um mês de reclusão e multa de um salário mínimo.
Artigo 3º. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

Nacip Raydan, 24 de fevereiro de 19--.
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      Prefeito Municipal

A LEI parecia muito estranha para quem era de fora e não sabia o que se passava naquele buraco do mundo que um dia se chamou Virgolândia.
Acontece que lá morava a Valdirene, filha do prefeito e única funcionária dos Correios e Telégrafos da cidade. Era uma morena fogosa, solteirona, com uns quarenta anos de estrada, de chão e de asfalto, que gostava de afiar a ferramenta.
A rapaziada do lugar fazia a festa e o pai, velho prefeito, já tinha perdido os cabelos e a pele da careca de tanta preocupação com o comportamento da filha. Conselho e briga não adiantava e ele, com a ajuda dos dois vereadores, fez a lei que, ele imaginava, ia afastar a turma, doida prá pregar o selo na morena. Quem não cumprisse, ia pro xilindró!
A agência do correio era o lugar mais visitado da cidade. Não tinha um homem de lá que não precisasse mandar uma carta ou um telegrama prá algum lugar.
Todo dia tinha alguém procurando a Posta-Restante da Valdirene. Não havia no Brasil uma agência dos Correios com mais correspondência prá entregar.
Até o seu Joaquim, da padaria, volta e meia passava uns telegramas na maquineta da Valdirene. É claro que todas as esposas de Nacip apoiaram a lei na hora. A filha do prefeito era a maior ameaça à sustentabilidade dos lares nacipenses.
Aliás, a lei foi aplaudida por todas as mulheres de lá, exceto pela própria Valdirene. As solteiras casadoiras gostaram porque, assim, não precisavam mais liberar a caixa postal antes do casamento para fazer frente à concorrência. As velhas e feias por causa da inveja e as crentes – havia duas na cidade – porque achavam que assim a alma da pecadora seria salva.
Já entre os homens, o negócio era diferente. Ninguém estava disposto a passar férias na gaiola e muito menos a pagar a multa pelo reembolso postal. Os vereadores não podiam negar o pedido do prefeito sob pena de entregarem suas preferências mensageiras, mas assinaram a contragosto. O padre Ambrósio não se manifestou.
Com a nova lei, tudo ficou muito mais difícil, o que não quer dizer que a Valdirene tenha desistido de carimbar o envelope. Não fazia nem um mês que a lei tinha sido promulgada e tiveram que mandar construir, às pressas, um presídio para receber os infratores. Felizmente, o dinheiro das multas foi suficiente pra financiar a obra.
O prefeito, desesperado, tomou uma medida radical. Aquela farra com a filha dele tinha que acabar. Não teve dúvidas: fez uma LEI COMPLEMENTAR aumentando a pena para detenção por dois anos com trabalhos forçados e multa de vinte e cinco salários.
Aquilo deixou a moçada assustada. Um mês de cadeia mais quinhentinhos de multa até dava para arriscar, mas dois anos fazendo força e aquela fortuna, era demais.
Assim, o coitado do prefeito acabou tendo um pouco de paz. Parecia que a Valdirene, finalmente, tinha sossegado o facho. Tudo andou bem por uns tempos e o movimento postal da cidade quase acabou até que um dia, estourou a bomba: a Valdirene estava grávida!
Não teve ninguém que conseguisse fazer ela contar quem era o remetente da correspondência e ela, nove meses depois, levou a linda menininha que nasceu para batizar.
Na hora da aguinha na cabeça, o padre perguntou que nome a mãe queria botar na criança. Ela então deu uma olhada geral na moçada da igreja e declarou orgulhosa:

- Interneta!




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